domingo, 10 de junho de 2018

Jack e Margareth - Conto 8

Jack olhou seu relógio velho para conferir os ponteiros, 8:30, ja tinha passado da hora de beber alguma coisa para esquecer os caretas da televisão. Levantou-se em direção a cozinha e se deparou com Margareth. Ele a pegou em um momento que estava longe, pensativa. Não estava nesse planeta. Possivelmente Júpiter ou Saturno, quem sabe até Netuno, seu planeta preferido.

Ela estava em uma viagem por milhares de pensamentos enquanto sentada na mesa da cozinha, que estava mal organizada como o costume. É fato que a casa só era limpa e arrumada por culpa de Margareth, porém a cozinha realmente não é um lugar que ela faca questão de entrar. Ao contrário dela, Jack sabia o que fazer com todos os utensílios e até mesmo saber a posição de cada um, mesmo com a tremenda bagunça. Ele faz questão da faca estar sempre bem amolada e o baú de bebidas sempre cheio. Porem, se tem um lugar que você não iria querer entrar, mesmo que fosse viciado em bebidas, é naquele cômodo. Ao menos que queira  tremendamente se deparar com o caos... todavia, não vejo motivos para isso. Prateleiras abertas, sal dentro da geladeira, o vidro de mel aberto, o arroz jogado no chão, a louça suja na pia...

Jack achou um tanto estranho o fato dela estar sentada logo naquela mesa, naquela cozinha, as 23:00 da noite. Ela podia estar na poltrona da sala ou no sofá marrom, que antes de ficar tão velho era preto, ou até mesmo escondida no quarto secreto dela. Entretanto, não, ela estava sentada na cadeira da mesa cinza, de frente para a porta, como se esperasse alguém e com a mão apoiando o rosto. O café já estava frio e o prato limpo a sua frente não tinha nada. Possivelmente ja estava sentada faz um bom tempo. 

Jack, pega um dos copos sujos, provavelmente de pinga, e enche de whisk. Depois pega um pão que, por incrivel que pareca, nao estava jogado em qualquer lugar, e começa a fazer um sanduíche com queijo. Em seguida vira-se para Margareth e solta uma piada de sempre para provocá-la.

 -É, Margareth, pensando longe, hum? Em algum namoradinho de escola de muito tempo atrás? 
Possivelmente se você abrisse um dos cadernos de rascunho de Jack, iria ver um turbilhão de palavras loucas, cinzas de cigarro, poemas mórbidos e muito barulho. Se tinha uma coisa que ele não sabia lidar, era o silêncio. E foi com isso que ela o respondeu. O silêncio naquela cozinha era tão completo que o barulho de Jack apoiando o copo na bancada podia ser ouvido pela casa inteira, assim como o tilintar dos cubos de gelo.

Margareth continuou parada por um tempo, como um fantasma, medusada. Depois que Jack terminou de fazer o sanduíche ela resolveu se mexer e olhou-o. Ele entendeu muito bem o que vira.

Jack ja havia passado por isso antes, de vez em quando presenciava Margareth nesse estado. Depois de algumas vezes, ele realmente deixou de acreditar que aquilo era normal. Era fato que o marrom claro do olhar dela sempre o fascinou, entretanto, uma hora percebeu que ia muito alem de uma bela cor. Seus olhos carregavam uma nostalgia morbida e era em momentos assim, quando pega de surpresa, nua, que você poderia notar estridentemente esse peso.

Jack nunca teve coragem de perguntar sobre isso, mas em um dia de Março conseguiu pistas. Estavam os dois na sala e ela falou que era aniversário da sua irmã. Não estava feliz, as palavras custaram a sair de sua boca, como se a garganta estivesse sendo arranhada. Depois prontamente mudou de assunto, mas não conseguiu disfarçar. As palavras já tinham se derramado, estavam encharcadas. .
A história completa ele descobriu depois de alguns meses quando leu um diário antigo de Margareth que estava jogado em uma das gavetas. Em sua defesa por ter o lido, o caderno azul não tinha cara nenhuma de um diário e muito menos estava realmente escondido. De qualquer forma, nem conseguiu ler tudo o que tinha. Porém, achara a resposta que precisava.

A verdade e' que o olhar de Margareth nunca conseguiu esquecer os ultimos minutos que pode ter com a sua irma. Ela havia chegado em casa mais tarde dessa vez, passava tardes fora a procura de qualquer trabalho que fosse para ajudar a familia - sua irma e sua mae que ja nao conseguia mais sustentar a casa e muito menos a si mesma, vicios. Todas as luzes estavam desligadas menos a do banheiro, havia agua por todos os lados, sua irma ca'ida no chao. Ela havia atrasado 9 minutos do que de costume, apenas 9 minutos. Culpa, culpa, culpa, foram as palavras mais grifadas e repetidas nas paginas do caderno que Jack conseguiu ler.  As horas do acontecimento estavam cravadas nas paginas antigas, o grafite do lápis ainda podia ser sentido. Provavelmente daí havia surgido suas obsessões com horários. 

Depois de ler o que conseguiu aguentar, devolveu o caderno pro lugar onde estava, como se estivesse se livrando de algo que estava pelando em chamas. Jack nunca mais se enganou ou se assustou com o olhar dela nesses momentos de transe. Apenas imaginava no que deveria pensar. Talvez no peso de não ter conseguido chegar alguns segundos antes para segurá-la, quem sabe nas fitas rosas que a garota sempre usava no cabelo ou o perfume preferido dela... isso tudo ele se contentava em nao saber.

Jack, aproxima-se de Margareth, coloca o sanduiche no prato vazio dela e enche uma taca de seu melhor vinho para colocar ao lado do prato. Nesse momento ela acorda de vez, nao esta mais petrificada e entao toma coragem de levar a taca de vinho a boca. Jack ja nao ria mais e queria mesmo era deixa-la quieta e calada, mas mesmo assim resolve sentar-se com ela. Porem, no momento em que ele puxa a cadeira para sentar, ela levanta-se com tudo e sai daquele lugar, some na escuridao da casa, provavelmente para dentro do seu quarto.  

-Pelo menos levou a taça com o vinho seco. Jack fala baixinho para si mesmo enquanto da mordidas no sanduíche da mesa. Em cada mordida ele imagina cada vez mais coisas sobre isso. Não era ideias sobre como deveria ser o nome da irmã ou se isso havia acontecido de noite ou de dia... Jack não conseguia parar de pensar que o que ele via no olhos dela, nesses momentos de angustia quieta, era a queda eterna da propria irmã dela.

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