terça-feira, 24 de outubro de 2017

A fantasma

E é assim,
Ela me traz lápis, papel, paciência e palavras simples
Tudo o que preciso para juntar 
Com o que é mais real de mim:
Pilastras ocas, anfetaminas, concretos e ácidos do estômago. 
Se encaixam, soa perfeito. 

E é assim,
ela sempre diz para que 
eu faça um bom uso de tudo,
cada situação,
cada lágrima,
cada ponto solto na rua
em que tropeço. 

E é assim,
da sua boca saem sonhos,
pureza, leveza. 
E eu só rio
quando ela vira atriz,
inventa que seu nome é Lyla
e faz de qualquer lugar 
um grande teatro. 

E é assim,
que devoro toda essa inspiração,
tudo o que eu noto nela,
essencialmente nela. 

E é assim,
que ela se desmancha em curiosidade 
afinal, o que é que está tão escondido, atrás de 7 chaves de ouro?
Fico boquiaberto quando
ela solta da própria gramática mental
as mais diversas hipóteses e pronomes sobre esse caos. 

E é assim, 
que ela, ao final,
me deixa escrito 
bem na janela, no vidro,
que mal pode esperar 
o próximo furacão 
que preencherá paredes brancas. 

E é assim,
acordo no ônibus, perdido,
olhando para os lados 
até que me paraliso ao escutar
o sussurro do fantasma que não existe:
“E é assim, espero vê-lo novamente em breve”

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Jack e Margareth - Conto 6

•Margareth (entra em casa correndo e bem feliz, são 20:00 da noite e Jack está sentado na cozinha, olhando para o nada. Ela coloca uma caixa preta na mesa)
- Pronto, é isso!

•Jack (dando um gole em uma bebida forte)
- Você demorou hoje pra chegar do trabalho, foi sair com alguém é? Geralmente você costuma ser tão pontual.

•Margareth (ignorando)
- Comprei uma câmera! Estou com um novo projeto em mente, para nós dois, inclusive!

•Jack 
-Da onde surgiu essa ideia? Quer virar fotógrafa?

•Margareth 
- Estou querendo trabalhar menos na consultoria, acho que aqueles números todos e aquelas pessoas realmente não estão me fazendo muito bem.

•Jack
- Corta essa, acha que me engana? Tem algo aí, não é possível. Além disso, você foi feita para os números, não consigo nem pensar em outra profissão que você se encaixaria.

•Margareth
- Bom, eu até tentei Biologia. E, olha aqui, eu nem faço tanta questão assim desses números, voc~e exagera demais.

•Jack (ri sarcasticamente)
-Sim, claro, é verdade, sua obsessão é outra ilusão minha. 
Agora me diz, ainda lembra algo de Biologia? Chegou mesmo a fazer curso?

•Margareth
- Sim, claro que cheguei a fazer, inclusive, tinha as melhores notas da sala.

•Jack
- Isso era de se esperar, as melhores notas. Conte-me um novidade.

•Margareth
- Eu ainda lembro bem de algumas coisas... você sabe sobre a taxa metabólica de um pinguim de 65kg?

•Jack
-Por que diabos eu saberia disso?

•Margareth (falando rápido e animada)
- Em valores médios, quando o pinguim está dormindo a taxa é 60kcal/h, porém quando a atividade dele deixa de ser tão leve, como a ação de andar, a taxa passa para 400kcal/h. Entretanto, quando a atividade passa a ser um pouco mais pesada, como corrida, a taxa chega a 800kcal/h! Agora, sobre cachorros, 3 cães de 25 quilos tem necessidades superiores à de um cão de 75kg, isso se dá pois, com a razão entre a área de superfície e o volume corporal diminui com o tamanho do animal, nos cães menores a soma de energia consumida pelos 3 vai ser sempre superior à do cão de maior porte. Bem, agora sobre as vacas...

•Jack (interrompe Margareth)
- Estupendo mesmo, me perdi quando você misturou pinguins com cachorros. Qual o motivo de ter largado o curso?

•Margareth 
- Naquela época eu ainda era vegana. Quando a matéria chegou em botânica, comecei a saber exatamente tudo sobre as plantas, tudo. E bem, a ideia de que elas também sentissem dor, como os animais, começou a me dominar de vez... e o problema é que quanto mais eu estudava sobre elas, menor ficava meu cardápio... então já viu, precisei largar aquilo, não me fazia bem...

•Jack
-Margareth, você é uma pirada. O que é que não acaba por te fazer mal?

•Margareth (abre a caixa e tira uma câmera da caixa)
- Enfim, foco! Olhe só esta câmera!

•Jack 
- Legal... e o que pensa em fazer com ela?

•Margareth
- Estou com um projeto novo para o meu site... nosso site. Quero abrir uma página basicamente para fotos documentais, estive lendo sobre essa tipologia e fiquei encantada! Preciso disso! Talvez com esse projeto eu consiga também me afastar tanto de números e mais números.

•Jack
- Te conheço bem, Margareth, não escolheu esse gênero fotográfico aleatoriamente. Acredito que essa é a que mais envolve delicadamente o controle... e, bem, você sabe que não são só números que te afligem mas o domínio também...  novamente o controle.

•Margareth
- Jack, eu me informei bastante sobre esse assunto. Já até sei que devo utilizar o modo de prioridade de abertura, assim não precisarei ter que configurar sempre a câmera e...

•Jack ( sem deixar que ela termine)
- Parabéns, você sabe a parte técnica inteira, mas pense em uma cena de conflito, você pode até saber sobre a configuração mais perfeita, porém, surtaria com a falta de controle e caos do momento. Fotografia vai muito além de uma iluminação e posição perfeitos.

•Margareth (pensativa e um tanto quanto triste)
- Talvez você esteja certo mesmo.

•Jack (levanta da cadeira e ajuda a guardar a câmera de volta na caixa e a tampa)
- É uma pena ver o quanto sua personalidade anancástica acaba contigo, Margareth, estou falando sério contigo. Sua compulsão te devora cada vez mais e eu não posso fazer nada para parar isso, apenas você.

•Jack (enche seu copo de whisky até a boca e dá um gole que acaba com a bebida do copo)
- O seu projeto pode até ser interessante, mas convenhamos, eu te conheço, você não conseguiria nem por um dia aguentá-lo. Margareth, entenda, até que você não ache a porte de saída do seu labirinto numérico, não conseguirá suportar quase nada. 

•Jack ( deixa o copo na mesa e vai em direção a Margareth e sussurra em seu ouvido antes de virar as costas e subir para o seu quarto)
- A ficha precisa cair. O tempo não para. Quanto mais você se perde nesse labirinto, mais seu suicídio é prolongado.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Jack e Margareth - Conto 5

•Jack
Me ajude aqui, por favor. É algo sério.

•Margareth
Hm, quero fazer o café, espero que seja rápido

•Jack
Qual a maneira mais fácil de vomitar?

•Margareth (se assusta e fala de forma rápida)
Está louco? Passando mal?
E de onde você tirou que sei sobre isso? Creio que é só tomar aqueles remédios pra quem bebeu algum veneno... acho que vende em qualquer farmácia

•Jack (anda em direção ao banheiro, perto da escada)
Esperava que soubesse, afinal, esse seu doutorado em autodestruição serve pra que?

•Margareth (ignorando o que Jack diz)
Anda, me conta o que aconteceu dessa vez. São nem 6 horas da manhã e você já vem com essa conversa. Não me diga que foi veneno mesmo... quando o assunto é você, só espero o pior.

•Jack
Sim, envenenamento. É sério.

•Margareth (preocupada)
O que você bebeu??

•Jack
As notícias, Margareth! Ontem saí para pegar o metrô, como o de costume, e fui encurralado por milhares de péssimas notícias amargas em todas as paredes, lugares.
Eram mortes, sangue, assassinatos...
Por acaso já citei mortes??

•Margareth (um pouco aliviada)
Entendi... e eu achando que você tivesse realmente bebido umas pílulas pra não acordar mais. Não me mate de susto! Além disso, você sabe que a mídia é assim, você sabe bem que...

•Jack (agora vasculhando remédios pelo banheiro todo)
Sim, claro, ok. Mas a questão é que estou envenenado sim! Dos olhos passou para o meu corpo inteiro e agora está na minha mente! E faz tempo! Não consigo parar de pensar em tanta notícia ruim. Eu preciso vomitar de vez!

•Margareth
Bom, entendi que você está sensível sobre esses assuntos todos e...

•Jack (interrompe)
Me diz agora, como você não está? Como muitos conseguem digerir tão facilmente esse veneno todo? Ontem, vomitei no metrô inteiro, devem ter me chamado de louco bêbado sem rumo. Dessa vez, eu nem estava bêbado! Juro!

•Margareth
Sobre o que você disse agora, talvez não seja vomitando que vai resolver sua situação. Realmente, foram poucos os que comentaram comigo sobre todas essas catástrofes recentes...

•Jack
Eu devo então usar óculos escuros? Acho que assim acabo não reparando tanto nas notícias... não devoraria tanto mal

•Margareth (indo em direção à Jack com um café)
Acho que não, Jack. Talvez precisemos de mais pessoas como você...

•Jack (sarcasticamente)
Ok, os rios em vez de água teriam vomito verde... boa ideia mesmo.

•Margareth
Não, idiota. Vomite então, porém, transforme essa massa verde em palavras, barulho, discussões. As pessoas andam a usar muitos óculos escuros por aí, aqueles de cego, sabe? É isso que piora ainda mais a selvageria de todos.

•Margareth (da um beijo na bochecha de Jack, entrega o café e sai pela porta da frente)

•Jack (sussurrando para si mesmo)
Talvez ela esteja certa. É melhor estar envenenado do que forçar um problema de visão qualquer. O pior cego e' o que nao quer ver.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Psicosobriedade

Ela me pergunta mais uma vez
O que há em você?
Eu mesmo, não sei como responder
Queria conseguir por para fora
Todas as palavras de vez
Mas em vez disso, folheio livros
e livros
Em busca de uma solução, alguma
que seja
Talvez Freud possa me responder,
Ou quem sabe Lacan, com seu caderno marrom,
não consiga arrancar
mais do que pontos finais de mim
Quem sabe...?

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

2016 - Amores que marcam fora da pele


É muito fácil escrever
sobre você,
e ao mesmo tempo 
muito difícil 

Quando nos vemos, 
faço o maior esforço 
para gravar tudo,
cada detalhe seu.
Vai do pelo da sua sobrancelha,
até sua barba mal feita 

Tiro várias fotos mentais 
do que eu vejo. 
Cada traço, palavra, charme. 

Quando chego em casa, 
revelo as fotos e procuro 
meu caderninho velho 
para escrever o que senti.

É tanta harmonia, movimento, caos,
e amor,
que em vez de poema
escrevo música. 

Encontro com um fantasma

Uma vez em um evento turvo 
Estava te procurando
Pela muvuca, onde
Milhares de pessoas vazias
Se esgueiravam pelo chão 
E fingiam, com suas máscaras,
Um pingo de alegria 

Eu não sabia onde você estava 
Então te liguei. 
3 vezes
Ao atender, pude quase sentir 
O ar bêbado 
Da sua boca,
Bem próximo de mim. 
arrepio na certa. 

Fiz o maior esforço para ouvir 
Sua voz sarcástica que
Se misturava 
Com a de seus demônios. 

A primeira mentira 
Que você disse,
Passou pelo meu corpo inteiro 
Até chegar na minha boca 
E ficar amargo

Só assim percebi
Que eu nem deveria ter saído de casa.