terça-feira, 29 de maio de 2018

Kairos

Lua Pálida sempre foi muito curiosa a respeito de tudo. Além de que nunca acreditava que sentia algo.  Se sentisse, seria puramente químico. Dopamina. Cafeína. Nicotina. Tudo que termina com “ina” mais o vinho seco. Ação e reação. Composto orgânico. 
Mas chega à noite e seu sorriso se encanta com o poste de luz da rua que pisca sem parar. Como um relógio. Como Cronos batendo a sua porta, incessantemente, louco para te devorar. 

Nesse momento certeiro, se atreva a subir as escadas. Depare-se com Lua Pálida no andar de cima e se assuste com a tranquilidade dos seus olhos e seu sorriso de prazer sombrio. O olhar oco. A navalha no chão. 

domingo, 27 de maio de 2018

Jack e Margareth - 7

Sexta-feira a noite. Geralmente a hora que aqueles casais cheirosos acabam de sair de suas casas para um jantar romântico. Muitos deles só buscando mais uma mascara para cobrir o desgaste emocional. Ninguem quer acreditar em traições. Também a hora em que alguns homens estão indo uivar na rua e vomitar todo o seu ódio pelo sistema e pelo pouco dinheiro que recebem do trabalho. Nessas horas, pense em Jack.
Hoje seria mais uma tarde comum, Margareth chegou do trabalho e ainda passou no mercado para comprar mais pó de café. Passaria então o resto da tarde lendo alguns livros e arrumando os poemas novos de Jack no site. Ela estava bem contente com os varios textos dele, era difícil para os dois enfrentarem os períodos de hiatos, o site nao pode parar. Enquanto isso, Jack estaria na rua, bebendo e discutindo as amarguras de tudo, nenhuma novidade. Chegaria bem tarde da madrugada e acordaria Margareth, que tem um sono bem leve, com os passos insóbrios pela casa inteira. Você nem queira saber como é isso, apenas pense em um doido sambando na sua cabeça... nada simpático.
Entretanto, tudo foi diferente.
Jack entra pela porta, gritando bem alto.
- Vamos Margareth, coloque agora o casaco, vamos sair. Ande depressa!

Margareth se assusta e observa-o inquieto mexendo nas gavetas em busca de dinheiro.
- O que é isso agora? Matou alguém? Ta sendo procurado?

Jack consegue um punhado de dinheiro que havia guardado para a cachaça dentro de uma gaveta perto do quadro da sala.
- Ora, voce acha que se eu matasse alguem eu estaria correndo assim? Meu crime seria perfeito. Não é nada disso, já se arrumou?

Margareth veste o casaco e se levanta calmamente.
- Iremos onde então?

Jack confere o isqueiro no bolso e conta as notas de dinheiro, tudo bem rápido.
- Você tem algum lugar melhor para ir?

É engraçado o fato de Jack sempre mudar tudo, toda a linha de um dia. Se você morasse com ele, teria que estar pronto para surpresas... nunca se sabe do que ele é capaz. Seria bom tambem não sofrer de algum problema cardíaco. 
- Olha, ate tenho sim. Voce realmente nao é  confiavel... prefiro ate lavar a louça do que sair assim.

Jack, a ignora, como sempre.
- Otimo, nao tem. Entao vamos sair nessa aventura comigo, vou te levar em um lugar que voce nunca viu.

Margareth e' entao puxada por Jack pelo braco.
- Acho que voce quis dizer desventura.

Os dois entao saem de casa. Margareth confere se a porta esta trancada tres vezes. Iria ser quatro mas Jack interrompeu-a com um puxao que a jogou bem longe da porta. Os dois seguem em passos rapidos para o lugar misterioso.

- Olha Jack, eu sempre caio nessas suas historias. Estamos indo onde? Fale logo. Acho bom voce nao estar me enganando e nao ser um puteiro.

Jack acende um cigarro e sorri.
- Sou um homem de classe, puteiro ja e' demais querida.

Margareth, ainda nao acredita.
- Mas nem cassino, ja cansei de ir pagar suas dividas que nao acabam nesses jogos de azar que voce ainda insite em apostar.

Jack para subitamente e joga a bituca fora.
- Chegamos!

O lugar era uma pequena lojinha, bem escondida. Estava iluminada com umas luzes vermelhas. Margareth nunca havia notado. Sinceramente, acredito que sao poucas as pessoas que iriam notar por ser bem pequeno e discreto. Ate porque tambem, e' uma porta no meio de uma bagunca, a janela ao lado e' pequena e esta coberta com papel pardo.

Margareth observa tudo em volta, a entrada esta mal cuidada, ha lixo no chao.
- Que ninho de rato voce me levou dessa vez?

Jack nao responde nada e entra, alguns segundos depois Margareth toma coragem e se infiltra no lugar. Por dentro ha varias luzes vermelhas no teto que dao um clima misterioso para a sala. Ao contrario de la fora, esta tudo bem limpo, impecavel, branco. Entretanto, o que mais chama a atencao sao as paredes, cobertas por quadros e telas das mais diferentes formas. Ha alguns vasos de plantas no chao mas provavelmente voce nem notaria.

Margareth senta-se em um banco para observar tudo, ela necessitou sentar. Jack estava no outro comodo conversando com um homem barbudo que usava um oculos engracado, alguem que voce trombaria dentro de um ambiente como esse, certamente.

Jack troca algumas palavras com o homem e entrega o dinheiro que antes era para a cachaca e apresenta o sujeito para Margareth.
- Esse aqui e' o Osires, dono do lugar.

Osires aperta a mao de Margareth, que estava bem fria e da um sorriso simpatico.
- Prazer, esse e' o meu covil, desculpe pela bagunca.

Margareth nota que seus olhos sao mais calmos do que os de Jack, mas mesmo assim fica desconfiada.
- Ola... nunca ouvi sobre voce... prazer.

Osires e' um homem um pouco mais alto que Jack, e suas roupas nao sao tao acabadas. Tem uma barda com alguns fios brancos mas nao e' muito mais velho do que os dois. Como eu disse antes, na certa voce pensaria em um homem como ele em um lugar desses coberto de quadros loucos, modernos que nem parecem fazer sentido. Mas antes, a historia nao era bem assim.

Margareth anda pela sala e ve varios quadros com respingos de tinta por todo lado, algumas telas com colagens malucas de animais de fazenda andando pela cidade e outros com frutas. Ela so' queria entender alguma coisa e entao pergunta como eles se conheceram e quem e' Osires.
Jack entao comeca a falar.

- Esse e' Osires, ja falei dele outras vezes mas voce nao me levou a serio, acho que nem me ouviu. Agora voce tem a oportunidade de conhece-lo! Lembra que um dia disse de um homem engracado que conheci na quadra debaixo?

Margareth sem graca responde.
- Creio que sim... mas nao era um advogado, algo assim?

Osires entao responde, bem pensativo, longe.
- Ora, ora, esse Jack. Contei minhas historias de moleque para ele, do tempo que eu passava na frente do forum e via aqueles engravatados com sapato de couro... so' pensava no quanto queria isso pra vida. Aqueles sonhos de garoto, acreditava que era so' fazer direito e se fosse ja estava garantido. E' isso, e' isso.

Margareth ouve um tanto confusa.
- Entao e' voce o advogado que Jack falou-me?

Osires entao sacode a cabeca e volta do seu transe.
- Advogado? Quem me dera, acabei por ser vendedor de arte nessa quadra, aqui mesmo.

Na hora Margareth exclui suas conclusoes antigas e pensa ``pronto, outro louco``. Jack entao abraca o amigo.
- O conheci no bar, Margareth! Depois ele me trouxe aqui e me apaixonei na hora pelos seus trabalhos, agora ate somos belos negociantes e acima de tudo, amigos de pinga!

Margareth da um sorriso amarelo, so' consegue pensar em Jack gastando dinheiro nao so com mais bebidas mas com quadros totalmente esquisitos que nao faziam sentido nenhum. Como pode alguem combinar vacas verdes com pastos rosa em uma pintura? Agora ela estava certa que os dois serviam um para o outro. Osires vai buscar o casaco no quartinho ao lado e entao ela aproveita para sussurrar com Jack.

- Por favor, nao me diga que voce comprou um desses quadros.

- Nao seja grosseira, comprei sim. Aquele ali com um abacaxi no meio, esta vendo?

- Eu nem sei porque estou surpresa, voce vai colocar isso embaixo da escada, escondido.

Osires sai do comodo e entao Jack entrega um bilhete para ela e pisca, como se ja soubesse que ela nao aprovaria.
- Estou indo pro bar, como sei que nao ira querer vir, espero que saiba como voltar para casa.

Os dois saem do comodo direto pra rua, a noite apenas comecou para os dois. Margareth continua no local, bem confusa com tudo aquilo. Ainda nao entendia como o homem ainda tinha um lugar daqueles, como conseguiria vender aquelas baboseiras todas e conseguir dinheiro.
- Nao e' possivel que exista tantos Jacks assim para sustentar um doido desses.

Margareth sempre gostou de arte, mas vamos dizer que, apenas de uma arte bem classica. Ela suspirava com as criacoes de Da Vinci e a perfeicao das figuras humanas de Michelangelo. Aquilo era um pontada para ela. E' claro que Jack sabia e a levou la. Voce nao acredita que os dois se completam?

Margareth entao respira fundo e se aproxima do quadro mais simples que tem la. Na tela havia um abacaxi na frente de um fundo azul com umas cores vermelhas. Observa um pouco e entao abre o bilhete que Jack a deu e leu em voz baixa.
- Solte-se um pouco. Afinal, o que importa e' reconhecer o belo e ousar expressa-lo.

Sempre as palavras de Jack reescrevendo todos os pensamentos de Margareth. Depois de alguns minutos ela respira bem forte de novo mas dessa vez estende a mao e tira o quadro da parede. Sem pensar duas vezes, vira-se para porta e sai. Encosta a porta e segue pela rua, banhada pelas luzes dos postes com o quadro embaixo do braco, de volta pra casa.


- Afinal, o que e' arte, ne' Jack? - Margareth sussurra baixo com seus passos curtos na calcada.

sábado, 26 de maio de 2018

Flor de Lis

A mao que, mesmo queimada,
continua freneticamente a tocar nas teclas,
nas letras da maquina de escrever,
madrugada a fora

A chama da pele ate os ossos da mao
datilografando o mais intenso e caotico 
de si mesma

Nada linear,
sem principio, meio e fim certeiros,
apenas o mais puro fluxo de consciencia

Garanto, senhora,
foi voce quem escreveu isso
e ninguem nunca matou sua personagem
e muito menos conseguira'

Ela foi eternizada, vive em todos os lugares:
livros, bocas,
fotos e
ate' aqui.
Essa e' a mais pura verdade.

Quem sabe um dia,
minha timidez seja tao ousada
quanto os seus socos no estomago
personificados com palavras

Quem sabe um dia
minha personagem sera'
imortalizada


quinta-feira, 24 de maio de 2018

Bon Appetit

De noite, voce esta sozinho no restaurante Frances, sao 8:00
Ouça, isso agora é o som do casal que está sentado bem ali ao lado, risadas
Ouça, isso é o som da musica ao vivo, nao esqueca de aplaudir
Veja, esse e' o cardapio, conte quantas paginas tem e cumprimente o garcom
Veja, a cantora pisca a ti, note o batom vermelho borrado depois que ela bebe a agua do copo
Ouça, preste atenção em tudo, pelo menos agora
Isso é um poema que só pode ser lido
Por você 

Ótimo
Veja, ha mesas em todos os lugares, algumas com velas, outras com rosas
Noto, tu sentas bem ao lado da porta, e confesso que nao ha lugar mais desconfortavel 
Notas: o lugar e' o mais fácil para você escapar, sem que ninguem note. Entao fuja.

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8/12/2020

Já esta de noite, você esta sozinha em um restaurante metido a francês e são oito horas em ponto. Ouça, é possível ouvir o mastigar do casal que senta bem ao seu lado. As risadas banhadas de vinho tinto. Imagino que nenhuma preocupação para quem ira dirigir ao final do banquete. Ouça, é possível ouvir a musica ao vivo, mas eu mesmo já não entendo bem o que é dito... como eu antes dissera, restaurante metido a francês. E você, com a calca rasgada perto do bolso, não esqueça de pelo menos aplaudir ou dar uma gorjeta. Olhe, veja, a cantora acaba de piscar para ti, note o resquício do que antes fora um batom vermelho juntamente com o cardápio que foi deixado a sua frente. Va, conte as paginas. Esse é apenas um texto que pode ser lido por você. Quem sabe, apenas uma nota escrita num guardanapo por alguém que realmente não tinha muito o que fazer da vida no momento. Mas você me lê ate o fim, ótimo. 

Há mesas em todos os lugares, perto do microfone, embaixo do sereno... algumas com velas e outras com rosas. Gostaria de estar acompanhada de mais alguém? Noto que você sente bem ao lado da porta, e confesso que não consigo observar lugar mais desconfortável que este. Foi de proposito? Ao mesmo tempo que te convido a ficar, observo seu pé preparado para correr e escapar daqui, como se alguém te sussurra aos ouvidos que saia o mais rápido possível. 

São oito horas e onze minutos. Não te vejo mais aqui.

terça-feira, 8 de maio de 2018

Rascunho 1

minha poesia é
o que tu vê
agora:

você me lendo 
sem parar
minha poesia piscando
os olhos pra ti

você chegando até aqui,
o ponto final.