domingo, 5 de agosto de 2018

Lavabo

Sente-se no chao frio do banheiro. A janela pequena tem grades, a porta trancada. Há mariposas no teto branco e o chuveiro esta ligado e nao para de derramar agua por todos os lados. O comodo enche-se cada vez mais, feito o mar de Alice no Pais das Maravilhas.
Quando a agua ja estiver cobrindo suas pernas e os ladrilhos parecerem mais longe, sera possivel ver os peixes se afogando junto com todos os numeros impares e as aranhas saindo da sua pasta de dente, tentando nadar ate voce. Em meio a essa cena, o mundo la fora estara de olho em Singapura.
As aranhas entram por debaixo da sua blusa, que ainda nao esta molhada pela agua. As patinhas finas percorrem pela sua cintura, barriga, sobem, se escondem. Nao parece tao assustador, e voce apenas tenta não se mexer muito, elas podem morder.
Calafrio. Agora voce ja nao esta mais apoiando as costas na parede coberta por azulejos azuis. Vagarosamente, aproxima-se para perto do vidro do box. Os arrepios podem ser sentidos com mais intensidade agora. Sua frequencia cardiaca acelerada te impede de nao deixar o peixe, ainda na superficie, engolir a chave da porta. De qualquer forma, isso nao e' o problema, voce sabe como sair dai, nao e' mesmo?
Nos ultimos minutos, a redencao. As suas maos afastam algumas aranhas que subiram pelo seu rosto ate sua boca e depois, bruscamente, descem ate seu pescoco. As vezes e' dificil reconhecer que sao suas proprias maos e nao as de um estranho qualquer.
Por fim, antes de se levantar e desligar a agua, voce abre a gaveta branca debaixo do espelho. Encontra o frasco de um perfume frances escondido no canto direito e o bebe por inteiro. O gosto e' forte, passa por toda sua garganta, queimando, e se agarra na sua lingua e por dentro do seu nariz. Olhos lacrimejam.
Depois que nao sobrar mais liquido nenhum no frasco, tente desligar o chuveiro, sem pressa agora. O ralo ira começar a engolir toda aquela agua, fazendo barulhos. As aranhas irão descer do seu corpo e voltar para dentro da pasta de dente. A chave reaparecerá ao lado do vaso. Sua respiração se aquietará.
Enquanto tudo isso acontece, o mundo la fora comemora datas importantes, embriaga-se de vida, e você permanece no meio de uma jaula.

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Jack e Margareth - Conto 9 (EM DESENVOLVIMENTO)

A manha parece bela, os raios de Sol batem na cortina e sao calorosos, esquentam o piso de madeira do quarto. Consiga imaginar casais acordando e abrindo suas janelas para ao fim bocejar para seus jardins frontais um macio bom-dia. Em seguida imagine um selinho entre eles, sim, mesmo com aquele bafo de superficialidade caloroso. Por ultimo, imagine o cafe da manha pelando sobre a mesa e o marido dando comida pro cachorro chamado Buster (menos americano impossivel). Agora volte a realidade.

Jack acorda assustado, caindo da cama, com o barulho de um passaro batendo na janela de cabeca e tudo. O seu sono geralmente nao e' leve, culpa da falta da sobriedade, mas dessa vez acordou facilmente e pior, querendo alguma coisa que ele so' saberia melhor mais tarde. Descendo as escadas, o perfume de rosas de Margareth compete com o cheiro do cafe quente, qual sera o mais cheiroso? Uma curiosidade sobre isso e' que sempre que sentir o cheiro de rosas pela casa e' quase certeza que as unhas dela estarao pintadas de vermelho. Vai entender.

Sao 6:30. Margareth, pontualmente como sempre, acaba de passar a chave na porta, conta ate 3 e sai em direcao ao metro para ir para a Consultoria de Estatistica. Nao fica muito longe, mas ela faz questao de nao chegar suada e muito menos atrasada (ela garante que não arranquem a calculadora de suas mãos), entao pega a conducao. No momento que ela confere se a porta esta trancada mesmo, Jack cria forcas para se levantar. Fique surpreso, e' uma raridade que ele acorde cedo, alguma coisa realmente nao esta certa.

Jack desce as escadas, cambaleando e quase tropecando no seu roupao, e vai para a cozinha. Sim, possivelmente ele e' uma das unicas pessoas que usam roupao que voce ira conhecer. A desculpa utilizada por ele para usa-lo sao os bolsos grandes que cabem facilmente tudo que ele precisa: de um lado um maco de cigarro e um isqueiro e do outro um papel e um lapis - nunca se sabe quando vira a inspiracao. 

Depois de duas xicaras de cafe bem forte e sem acucar nem nada, Jack vai em direcao a sala e joga seu roupao no sofa, veste seu casaco grande preferido e abotoa no meio. Pronto, um metido a Sherlock Holmes. Margareth sempre gostou desse casaco, mas depois comecou a odia-lo ja que Jack sempre deixava o casaco jogado em qualquer canto da casa, mas nunca no armario. Depois de uns meses, ela resolveu ate' colocar um gancho para que ele pendurasse, bem ao lado da port. Claro que nao adiantou nada. Serve para pendurar as chaves da porta.

Mesmo que o casaco fique muitas vezes jogado pela sala, esse e' o comodo mais agradavel de todos. As paredes possuem quadros suaves escolhidos a dedo por Margareth, a decoracao nao chama muito a atencao e e' rustica. Os dois sofas sao macios e nao ocupam muito espaco, o suficiente para se sentir confortavel. Mas a melhor sao as estantes com livros, a pequena biblioteca dos dois, dividida perfeitamente. Do lado direito os livros de Margareth: muitos sobre estatistica, materias diversas, alguns classicos como Mr Dalloway, A Redoma de Vidro, As Horas e Moby Dick (esse fica bem ao meio, dividindo os lados de cada um). Do lado esquerdo os de Jack: aqui encontrara de tudo, livros de receitas, classicos brasileiros,  livros para aprender a jogar poker e muita poesia. So' nao econtrara muito sobre poesia mimeografa do lado esquerdo, mas se quiser, olhe a estante da direita, provavelmente deve ter. Os dois lados de completam.

Vamos sair dessa casa, o que importa no momento está lá fora em algum lugar, algo que espera Jack e que nem mesmo ele realmente sabe o que é. Sendo assim, Jack abre a porta e sai com um pouco de pressa depois de trancar a porta.
Ele desce a rua, vira a direita, segue mais um pouco, tropeça em alguma pedra e anda entre o mato e um resquício de calçada. - Essa cidade precisa de mais cuidado, diz Jack tentando arrancar os pique-piques que grudaram na sua calça. Sua aparência é horrível, seu olhos estão avermelhados, seu rosto está pálido ao ponto de que qualquer pessoa que o olhasse, duvidaria se ele realmente está ali ou não (nenhuma novidade até agora). Agora, sobre o movimento na rua, preciso dizer que o local onde Jack está parece mais um zoológico do que uma cidade: girafas com cabeças de outdoors, raposas na frente das lojas sorrindo e prontas para te entregarem um panfleto que você com certeza não leria, hienas cheirando lixeiras em busca do almoço, ursos engravatados furiosos saindo de escritórios, brigas de trânsito entre gnus e até mesmo um guaxinim pilantra que acabara de roubar alguém, provavelmente. Interprete do jeito que quiser.
Jack não se incomoda tanto com isso, resolve acender um cigarro para entreter a boca e não inventar de dar um gole no cantil com pinga que guarda no bolso secreto do casaco. Ao entrar no parque, ele nota a senhorinha que sempre está sentada no terceiro banco, conhecida por velha louca por muitos, Jack inventou que seu nome é Clotilde. - Impressionante como a vó Clotilde sempre está sentadinha ali, pelo menos os pombos a fazem companhia, diz Jack esfregando os olhos para tentar enxergar direito e soltando a fumaça devagar, foi-se a última tragada do cigarro.
Saindo do parque pela entrada menos movimentada, Jack diminui o passo, alguma coisa não tinha caído muito bem, provavelmente culpa de alguma madrugada a qual ele perdeu o controle do que ingeriu. Ao atravessar a rua, ele quase provoca um acidente, mas nem se assusta realmente, estava se sentindo um pouco tonto - Quase certeza que não tinha um carro nessa pista. Ao chegar perto do poste da outra rua, Jack ouve os piores sons que se espalham por toda parte, descendo até seu estômago, são portas das lojas se debatendo, o ritmo de pensamentos dos andantes que já não aguentam mais trabalhar, mulheres gritando - Compro ouro! Compro ouro!, algumas crianças sentados no Sol quente junto com cartazes e com as mãos estendidas.
Coração acelerado, Jack se joga em um beco fedido que parece vazio, foge de tudo o que da e se apoia na parede até voltar a si mesmo novamente. - Onde eu estive com a cabeça? Me senti dentro de um círculo, preciso de um gole dessa pinga, e logo. Quando a bebida já arranhava sua garganta, Jack sente algo passando pelas suas pernas, mas não liga tanto. Ele agora começa a andar em direção ao final do beco, enquanto tampa o cantil. - São apenas algumas quadras para voltar para casa.
Andando com calma e passando pelos caminhos menos movimentados e consequentemente mais escuros, Jack da uma olhada baixa e vê que algo o acompanha e sem nem pensar duas vezes, aproveita para falar qualquer coisa que vem a mente, basta um par de orelhas para Jack nunca mais se calar, - Não quero me sentir sozinho, não quero, hoje não. Às vezes procuro ver poesia em tudo e isso muitas vezes me conforta. Hoje isso não está sendo o bastante. Você me entende? Jack não sabe se está alucinando ou não, mas é quase certeza que há um tigre ao seu lado o acompanhando e olhando para frente. - Vou acreditar que você esteja aqui, eu não tenho muito a perder e me parece que você não irá me devorar ou algo assim. Você está aqui e parece também ser um bom ouvinte, além do mais, parece mais humano do que muitos homens engravatados que vejo por aí nas notícias. O tigre continua olhando pra frente, mas suas orelhas acompanham as frases de Jack.  - O que realmente aconteceu para você estar aqui? Fui eu que saí de uma jaula quando entrei no beco ou estamos em uma nesse momento? Bom, tudo bem, talvez não haja resposta para isso. O tigre muda de lado e os dois atravessam a rua que não tem movimento algum, só mais alguns metros e estariam na porta de casa. - Sei silêncio me conforta pelo menos, devo estar o irritando com tantas perguntas e baboseiras... bem, penso se seria muito estranho se você falasse alguma coisa e me respondesse algo. O tigre não faz contato visual algum, apenas boceja enquanto Jack bate no ouvido para ver se ele não está entupido. - Pelo menos você me parece são, sabe mais para onde estou indo do que eu mesmo sei. Quanto mais andavam, Jack parecia escutar o começo de uma música, estava baixo mas ia aumentando, - Obrigado por me acompanhar, acho que eu não saberia voltar sozinho. Não estou me sentindo tão bem aqui, será que devo fugir de vez? Talvez tenha algum lugar me esperando, assim como senti que você me esperava aqui na rua. Sim, eu seria um covarde, mas talvez eu deva. Você ao menos poderia olhar alguma hora pra mim quando eu falo... A música começa a aumentar na cabeça de Jack, - Espere, isso é Carmina Burana? O tigre para e encara Jack por um tempo, é quase como se ja se conhecessem a muito tempo, dá um salto ligeiro e some no terreno ao lado da casa de Margareth. Cada listra na pele do animal parecia como uma resposta para as perguntas e pensamentos de Jack, mas que precisavam serem descodificadas de alguma forma. A música para logo quando Jack chega na porta de casa, - Não posso ter respostas para tudo, mas ao menos eu devia produzir perguntas mais interessantes, diz Jack olhando para o muro da casa ao lado, sem entender muito bem o que tinha acontecido. Poucos segundos depois Margareth chega perto de Jack, o viu conversando sozinho antes de chegar, - Jack, o que houve? Estava andando sozinho por aí de tarde? Margareth pergunta desconfiada. Jack, ao perceber que Margareth estava ao seu lado, se sentiu mais calmo, como se tivesse descoberto todo o código que pudesse estar escrito em um casaco de pele de tigre.
Jack destranca a porta e sorri com calma, - Eu não posso ir embora, sussurra baixinho sem que ela o consiga ouvir. - Jack, acho que você precisa de um antipsicótico, diz Margareth antes de sumir pela casa.


domingo, 10 de junho de 2018

Jack e Margareth - Conto 8

Jack olhou seu relógio velho para conferir os ponteiros, 8:30, ja tinha passado da hora de beber alguma coisa para esquecer os caretas da televisão. Levantou-se em direção a cozinha e se deparou com Margareth. Ele a pegou em um momento que estava longe, pensativa. Não estava nesse planeta. Possivelmente Júpiter ou Saturno, quem sabe até Netuno, seu planeta preferido.

Ela estava em uma viagem por milhares de pensamentos enquanto sentada na mesa da cozinha, que estava mal organizada como o costume. É fato que a casa só era limpa e arrumada por culpa de Margareth, porém a cozinha realmente não é um lugar que ela faca questão de entrar. Ao contrário dela, Jack sabia o que fazer com todos os utensílios e até mesmo saber a posição de cada um, mesmo com a tremenda bagunça. Ele faz questão da faca estar sempre bem amolada e o baú de bebidas sempre cheio. Porem, se tem um lugar que você não iria querer entrar, mesmo que fosse viciado em bebidas, é naquele cômodo. Ao menos que queira  tremendamente se deparar com o caos... todavia, não vejo motivos para isso. Prateleiras abertas, sal dentro da geladeira, o vidro de mel aberto, o arroz jogado no chão, a louça suja na pia...

Jack achou um tanto estranho o fato dela estar sentada logo naquela mesa, naquela cozinha, as 23:00 da noite. Ela podia estar na poltrona da sala ou no sofá marrom, que antes de ficar tão velho era preto, ou até mesmo escondida no quarto secreto dela. Entretanto, não, ela estava sentada na cadeira da mesa cinza, de frente para a porta, como se esperasse alguém e com a mão apoiando o rosto. O café já estava frio e o prato limpo a sua frente não tinha nada. Possivelmente ja estava sentada faz um bom tempo. 

Jack, pega um dos copos sujos, provavelmente de pinga, e enche de whisk. Depois pega um pão que, por incrivel que pareca, nao estava jogado em qualquer lugar, e começa a fazer um sanduíche com queijo. Em seguida vira-se para Margareth e solta uma piada de sempre para provocá-la.

 -É, Margareth, pensando longe, hum? Em algum namoradinho de escola de muito tempo atrás? 
Possivelmente se você abrisse um dos cadernos de rascunho de Jack, iria ver um turbilhão de palavras loucas, cinzas de cigarro, poemas mórbidos e muito barulho. Se tinha uma coisa que ele não sabia lidar, era o silêncio. E foi com isso que ela o respondeu. O silêncio naquela cozinha era tão completo que o barulho de Jack apoiando o copo na bancada podia ser ouvido pela casa inteira, assim como o tilintar dos cubos de gelo.

Margareth continuou parada por um tempo, como um fantasma, medusada. Depois que Jack terminou de fazer o sanduíche ela resolveu se mexer e olhou-o. Ele entendeu muito bem o que vira.

Jack ja havia passado por isso antes, de vez em quando presenciava Margareth nesse estado. Depois de algumas vezes, ele realmente deixou de acreditar que aquilo era normal. Era fato que o marrom claro do olhar dela sempre o fascinou, entretanto, uma hora percebeu que ia muito alem de uma bela cor. Seus olhos carregavam uma nostalgia morbida e era em momentos assim, quando pega de surpresa, nua, que você poderia notar estridentemente esse peso.

Jack nunca teve coragem de perguntar sobre isso, mas em um dia de Março conseguiu pistas. Estavam os dois na sala e ela falou que era aniversário da sua irmã. Não estava feliz, as palavras custaram a sair de sua boca, como se a garganta estivesse sendo arranhada. Depois prontamente mudou de assunto, mas não conseguiu disfarçar. As palavras já tinham se derramado, estavam encharcadas. .
A história completa ele descobriu depois de alguns meses quando leu um diário antigo de Margareth que estava jogado em uma das gavetas. Em sua defesa por ter o lido, o caderno azul não tinha cara nenhuma de um diário e muito menos estava realmente escondido. De qualquer forma, nem conseguiu ler tudo o que tinha. Porém, achara a resposta que precisava.

A verdade e' que o olhar de Margareth nunca conseguiu esquecer os ultimos minutos que pode ter com a sua irma. Ela havia chegado em casa mais tarde dessa vez, passava tardes fora a procura de qualquer trabalho que fosse para ajudar a familia - sua irma e sua mae que ja nao conseguia mais sustentar a casa e muito menos a si mesma, vicios. Todas as luzes estavam desligadas menos a do banheiro, havia agua por todos os lados, sua irma ca'ida no chao. Ela havia atrasado 9 minutos do que de costume, apenas 9 minutos. Culpa, culpa, culpa, foram as palavras mais grifadas e repetidas nas paginas do caderno que Jack conseguiu ler.  As horas do acontecimento estavam cravadas nas paginas antigas, o grafite do lápis ainda podia ser sentido. Provavelmente daí havia surgido suas obsessões com horários. 

Depois de ler o que conseguiu aguentar, devolveu o caderno pro lugar onde estava, como se estivesse se livrando de algo que estava pelando em chamas. Jack nunca mais se enganou ou se assustou com o olhar dela nesses momentos de transe. Apenas imaginava no que deveria pensar. Talvez no peso de não ter conseguido chegar alguns segundos antes para segurá-la, quem sabe nas fitas rosas que a garota sempre usava no cabelo ou o perfume preferido dela... isso tudo ele se contentava em nao saber.

Jack, aproxima-se de Margareth, coloca o sanduiche no prato vazio dela e enche uma taca de seu melhor vinho para colocar ao lado do prato. Nesse momento ela acorda de vez, nao esta mais petrificada e entao toma coragem de levar a taca de vinho a boca. Jack ja nao ria mais e queria mesmo era deixa-la quieta e calada, mas mesmo assim resolve sentar-se com ela. Porem, no momento em que ele puxa a cadeira para sentar, ela levanta-se com tudo e sai daquele lugar, some na escuridao da casa, provavelmente para dentro do seu quarto.  

-Pelo menos levou a taça com o vinho seco. Jack fala baixinho para si mesmo enquanto da mordidas no sanduíche da mesa. Em cada mordida ele imagina cada vez mais coisas sobre isso. Não era ideias sobre como deveria ser o nome da irmã ou se isso havia acontecido de noite ou de dia... Jack não conseguia parar de pensar que o que ele via no olhos dela, nesses momentos de angustia quieta, era a queda eterna da propria irmã dela.

terça-feira, 5 de junho de 2018

Ache-se

Caminho no escuro
Sem medo
Onde piso?
Sem medo
Passos leves
Sem medo
Foco
Sem medo
Madeira vermelha, antiga?
Sem medo
O olhar nao oscila
Viro a maçaneta

...

terça-feira, 29 de maio de 2018

Kairos

Lua Pálida sempre foi muito curiosa a respeito de tudo. Além de que nunca acreditava que sentia algo.  Se sentisse, seria puramente químico. Dopamina. Cafeína. Nicotina. Tudo que termina com “ina” mais o vinho seco. Ação e reação. Composto orgânico. 
Mas chega à noite e seu sorriso se encanta com o poste de luz da rua que pisca sem parar. Como um relógio. Como Cronos batendo a sua porta, incessantemente, louco para te devorar. 

Nesse momento certeiro, se atreva a subir as escadas. Depare-se com Lua Pálida no andar de cima e se assuste com a tranquilidade dos seus olhos e seu sorriso de prazer sombrio. O olhar oco. A navalha no chão. 

domingo, 27 de maio de 2018

Jack e Margareth - 7

Sexta-feira a noite. Geralmente a hora que aqueles casais cheirosos acabam de sair de suas casas para um jantar romântico. Muitos deles só buscando mais uma mascara para cobrir o desgaste emocional. Ninguem quer acreditar em traições. Também a hora em que alguns homens estão indo uivar na rua e vomitar todo o seu ódio pelo sistema e pelo pouco dinheiro que recebem do trabalho. Nessas horas, pense em Jack.
Hoje seria mais uma tarde comum, Margareth chegou do trabalho e ainda passou no mercado para comprar mais pó de café. Passaria então o resto da tarde lendo alguns livros e arrumando os poemas novos de Jack no site. Ela estava bem contente com os varios textos dele, era difícil para os dois enfrentarem os períodos de hiatos, o site nao pode parar. Enquanto isso, Jack estaria na rua, bebendo e discutindo as amarguras de tudo, nenhuma novidade. Chegaria bem tarde da madrugada e acordaria Margareth, que tem um sono bem leve, com os passos insóbrios pela casa inteira. Você nem queira saber como é isso, apenas pense em um doido sambando na sua cabeça... nada simpático.
Entretanto, tudo foi diferente.
Jack entra pela porta, gritando bem alto.
- Vamos Margareth, coloque agora o casaco, vamos sair. Ande depressa!

Margareth se assusta e observa-o inquieto mexendo nas gavetas em busca de dinheiro.
- O que é isso agora? Matou alguém? Ta sendo procurado?

Jack consegue um punhado de dinheiro que havia guardado para a cachaça dentro de uma gaveta perto do quadro da sala.
- Ora, voce acha que se eu matasse alguem eu estaria correndo assim? Meu crime seria perfeito. Não é nada disso, já se arrumou?

Margareth veste o casaco e se levanta calmamente.
- Iremos onde então?

Jack confere o isqueiro no bolso e conta as notas de dinheiro, tudo bem rápido.
- Você tem algum lugar melhor para ir?

É engraçado o fato de Jack sempre mudar tudo, toda a linha de um dia. Se você morasse com ele, teria que estar pronto para surpresas... nunca se sabe do que ele é capaz. Seria bom tambem não sofrer de algum problema cardíaco. 
- Olha, ate tenho sim. Voce realmente nao é  confiavel... prefiro ate lavar a louça do que sair assim.

Jack, a ignora, como sempre.
- Otimo, nao tem. Entao vamos sair nessa aventura comigo, vou te levar em um lugar que voce nunca viu.

Margareth e' entao puxada por Jack pelo braco.
- Acho que voce quis dizer desventura.

Os dois entao saem de casa. Margareth confere se a porta esta trancada tres vezes. Iria ser quatro mas Jack interrompeu-a com um puxao que a jogou bem longe da porta. Os dois seguem em passos rapidos para o lugar misterioso.

- Olha Jack, eu sempre caio nessas suas historias. Estamos indo onde? Fale logo. Acho bom voce nao estar me enganando e nao ser um puteiro.

Jack acende um cigarro e sorri.
- Sou um homem de classe, puteiro ja e' demais querida.

Margareth, ainda nao acredita.
- Mas nem cassino, ja cansei de ir pagar suas dividas que nao acabam nesses jogos de azar que voce ainda insite em apostar.

Jack para subitamente e joga a bituca fora.
- Chegamos!

O lugar era uma pequena lojinha, bem escondida. Estava iluminada com umas luzes vermelhas. Margareth nunca havia notado. Sinceramente, acredito que sao poucas as pessoas que iriam notar por ser bem pequeno e discreto. Ate porque tambem, e' uma porta no meio de uma bagunca, a janela ao lado e' pequena e esta coberta com papel pardo.

Margareth observa tudo em volta, a entrada esta mal cuidada, ha lixo no chao.
- Que ninho de rato voce me levou dessa vez?

Jack nao responde nada e entra, alguns segundos depois Margareth toma coragem e se infiltra no lugar. Por dentro ha varias luzes vermelhas no teto que dao um clima misterioso para a sala. Ao contrario de la fora, esta tudo bem limpo, impecavel, branco. Entretanto, o que mais chama a atencao sao as paredes, cobertas por quadros e telas das mais diferentes formas. Ha alguns vasos de plantas no chao mas provavelmente voce nem notaria.

Margareth senta-se em um banco para observar tudo, ela necessitou sentar. Jack estava no outro comodo conversando com um homem barbudo que usava um oculos engracado, alguem que voce trombaria dentro de um ambiente como esse, certamente.

Jack troca algumas palavras com o homem e entrega o dinheiro que antes era para a cachaca e apresenta o sujeito para Margareth.
- Esse aqui e' o Osires, dono do lugar.

Osires aperta a mao de Margareth, que estava bem fria e da um sorriso simpatico.
- Prazer, esse e' o meu covil, desculpe pela bagunca.

Margareth nota que seus olhos sao mais calmos do que os de Jack, mas mesmo assim fica desconfiada.
- Ola... nunca ouvi sobre voce... prazer.

Osires e' um homem um pouco mais alto que Jack, e suas roupas nao sao tao acabadas. Tem uma barda com alguns fios brancos mas nao e' muito mais velho do que os dois. Como eu disse antes, na certa voce pensaria em um homem como ele em um lugar desses coberto de quadros loucos, modernos que nem parecem fazer sentido. Mas antes, a historia nao era bem assim.

Margareth anda pela sala e ve varios quadros com respingos de tinta por todo lado, algumas telas com colagens malucas de animais de fazenda andando pela cidade e outros com frutas. Ela so' queria entender alguma coisa e entao pergunta como eles se conheceram e quem e' Osires.
Jack entao comeca a falar.

- Esse e' Osires, ja falei dele outras vezes mas voce nao me levou a serio, acho que nem me ouviu. Agora voce tem a oportunidade de conhece-lo! Lembra que um dia disse de um homem engracado que conheci na quadra debaixo?

Margareth sem graca responde.
- Creio que sim... mas nao era um advogado, algo assim?

Osires entao responde, bem pensativo, longe.
- Ora, ora, esse Jack. Contei minhas historias de moleque para ele, do tempo que eu passava na frente do forum e via aqueles engravatados com sapato de couro... so' pensava no quanto queria isso pra vida. Aqueles sonhos de garoto, acreditava que era so' fazer direito e se fosse ja estava garantido. E' isso, e' isso.

Margareth ouve um tanto confusa.
- Entao e' voce o advogado que Jack falou-me?

Osires entao sacode a cabeca e volta do seu transe.
- Advogado? Quem me dera, acabei por ser vendedor de arte nessa quadra, aqui mesmo.

Na hora Margareth exclui suas conclusoes antigas e pensa ``pronto, outro louco``. Jack entao abraca o amigo.
- O conheci no bar, Margareth! Depois ele me trouxe aqui e me apaixonei na hora pelos seus trabalhos, agora ate somos belos negociantes e acima de tudo, amigos de pinga!

Margareth da um sorriso amarelo, so' consegue pensar em Jack gastando dinheiro nao so com mais bebidas mas com quadros totalmente esquisitos que nao faziam sentido nenhum. Como pode alguem combinar vacas verdes com pastos rosa em uma pintura? Agora ela estava certa que os dois serviam um para o outro. Osires vai buscar o casaco no quartinho ao lado e entao ela aproveita para sussurrar com Jack.

- Por favor, nao me diga que voce comprou um desses quadros.

- Nao seja grosseira, comprei sim. Aquele ali com um abacaxi no meio, esta vendo?

- Eu nem sei porque estou surpresa, voce vai colocar isso embaixo da escada, escondido.

Osires sai do comodo e entao Jack entrega um bilhete para ela e pisca, como se ja soubesse que ela nao aprovaria.
- Estou indo pro bar, como sei que nao ira querer vir, espero que saiba como voltar para casa.

Os dois saem do comodo direto pra rua, a noite apenas comecou para os dois. Margareth continua no local, bem confusa com tudo aquilo. Ainda nao entendia como o homem ainda tinha um lugar daqueles, como conseguiria vender aquelas baboseiras todas e conseguir dinheiro.
- Nao e' possivel que exista tantos Jacks assim para sustentar um doido desses.

Margareth sempre gostou de arte, mas vamos dizer que, apenas de uma arte bem classica. Ela suspirava com as criacoes de Da Vinci e a perfeicao das figuras humanas de Michelangelo. Aquilo era um pontada para ela. E' claro que Jack sabia e a levou la. Voce nao acredita que os dois se completam?

Margareth entao respira fundo e se aproxima do quadro mais simples que tem la. Na tela havia um abacaxi na frente de um fundo azul com umas cores vermelhas. Observa um pouco e entao abre o bilhete que Jack a deu e leu em voz baixa.
- Solte-se um pouco. Afinal, o que importa e' reconhecer o belo e ousar expressa-lo.

Sempre as palavras de Jack reescrevendo todos os pensamentos de Margareth. Depois de alguns minutos ela respira bem forte de novo mas dessa vez estende a mao e tira o quadro da parede. Sem pensar duas vezes, vira-se para porta e sai. Encosta a porta e segue pela rua, banhada pelas luzes dos postes com o quadro embaixo do braco, de volta pra casa.


- Afinal, o que e' arte, ne' Jack? - Margareth sussurra baixo com seus passos curtos na calcada.

sábado, 26 de maio de 2018

Flor de Lis

A mao que, mesmo queimada,
continua freneticamente a tocar nas teclas,
nas letras da maquina de escrever,
madrugada a fora

A chama da pele ate os ossos da mao
datilografando o mais intenso e caotico 
de si mesma

Nada linear,
sem principio, meio e fim certeiros,
apenas o mais puro fluxo de consciencia

Garanto, senhora,
foi voce quem escreveu isso
e ninguem nunca matou sua personagem
e muito menos conseguira'

Ela foi eternizada, vive em todos os lugares:
livros, bocas,
fotos e
ate' aqui.
Essa e' a mais pura verdade.

Quem sabe um dia,
minha timidez seja tao ousada
quanto os seus socos no estomago
personificados com palavras

Quem sabe um dia
minha personagem sera'
imortalizada


quinta-feira, 24 de maio de 2018

Bon Appetit

De noite, voce esta sozinho no restaurante Frances, sao 8:00
Ouça, isso agora é o som do casal que está sentado bem ali ao lado, risadas
Ouça, isso é o som da musica ao vivo, nao esqueca de aplaudir
Veja, esse e' o cardapio, conte quantas paginas tem e cumprimente o garcom
Veja, a cantora pisca a ti, note o batom vermelho borrado depois que ela bebe a agua do copo
Ouça, preste atenção em tudo, pelo menos agora
Isso é um poema que só pode ser lido
Por você 

Ótimo
Veja, ha mesas em todos os lugares, algumas com velas, outras com rosas
Noto, tu sentas bem ao lado da porta, e confesso que nao ha lugar mais desconfortavel 
Notas: o lugar e' o mais fácil para você escapar, sem que ninguem note. Entao fuja.

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8/12/2020

Já esta de noite, você esta sozinha em um restaurante metido a francês e são oito horas em ponto. Ouça, é possível ouvir o mastigar do casal que senta bem ao seu lado. As risadas banhadas de vinho tinto. Imagino que nenhuma preocupação para quem ira dirigir ao final do banquete. Ouça, é possível ouvir a musica ao vivo, mas eu mesmo já não entendo bem o que é dito... como eu antes dissera, restaurante metido a francês. E você, com a calca rasgada perto do bolso, não esqueça de pelo menos aplaudir ou dar uma gorjeta. Olhe, veja, a cantora acaba de piscar para ti, note o resquício do que antes fora um batom vermelho juntamente com o cardápio que foi deixado a sua frente. Va, conte as paginas. Esse é apenas um texto que pode ser lido por você. Quem sabe, apenas uma nota escrita num guardanapo por alguém que realmente não tinha muito o que fazer da vida no momento. Mas você me lê ate o fim, ótimo. 

Há mesas em todos os lugares, perto do microfone, embaixo do sereno... algumas com velas e outras com rosas. Gostaria de estar acompanhada de mais alguém? Noto que você sente bem ao lado da porta, e confesso que não consigo observar lugar mais desconfortável que este. Foi de proposito? Ao mesmo tempo que te convido a ficar, observo seu pé preparado para correr e escapar daqui, como se alguém te sussurra aos ouvidos que saia o mais rápido possível. 

São oito horas e onze minutos. Não te vejo mais aqui.

terça-feira, 8 de maio de 2018

Rascunho 1

minha poesia é
o que tu vê
agora:

você me lendo 
sem parar
minha poesia piscando
os olhos pra ti

você chegando até aqui,
o ponto final.

domingo, 22 de abril de 2018

Overthinking. Overthinking.

These numbers. Numbers. Numbers. Numbers. They keep growing as i keep going up stairs. Up and down. Up and down.  So i enter in a spiral, where the bones breaks at the touch of each step. Each step. In each step I conclude that I am a robot, controlled by the time, mechanized by inconclusive diagnoses of a hypochondriac system that i continue to believe that can confort me. Confort me. Now, its where the illusions begging, everything keeps surrouding my head, everything turning blue and red and violet and blue and yellow. Again. Again. Again. Why is your room such a mess? The hours getting speedy, getting liquid, passing through my fingers and lungs like water, like oil, like alcohol so it burns everything. Im burning. Im burning my words, my fingers. Swallowing everything still warm down my throat. Why is your room such a mess? Now, for my ego, i keep telling him to stop. Stop making art, stop getting stuck in your own head again to just reach a top of rhymes. Rhymes. Rhymes after rhymes. Nothing comforts me more than a room full of paintings and fresh ink. But i still search for games that i cant win. I cant win. Frustation. Frustrated i manufacter, cook up, invent a game. Now i can win. I win because i invent the rules, i control everything like a queen of disaster, sitted in a throne made of glass. Made of glass like my heart. And my dreams. And my words. And my lies. Im a machine made of stress. Why is my room such a mess? I shrink in my head, trying to get answers to all my questions, for all your questions, for all my tests of math that i keep getting zero. I can love the numbers so much that i hate them. I hate them. I love them. I hate them. I love you. Im paradoxly in fear. Im pulling myself down. Up and down. Up and down. Trying to reach the top of the labirynth but again in the wrong maze. The top cant just be a shadowed surface, filled with tragedies and mistakes. It cant. I'm so busy with the uncertain. I'm so heavy on abusive thoughts that i forget to open the red door. Verb after verb, metaphors in lines. Here im trying to write a new kind of saying art. I keep stepping, i keep stepping. Now in front of the exit. Facing a white wall, covered in blood. Climb it. Climb it. Climb it. Climb it. But in the end theres just a reflection of a dual me who is going to perceive the inquisitive knowledge of my insanity. They keep telling me, ``do not forget to punctuate your essays. Your course is full of numbers that you cant embrace. Oh please, shut your mouth when your stomach acids wants to leave. Oh, wait, is your room still a mess?`` I feel everything countable such as a shopping list. I count all the bricks, nails, doors, windows. And i made them a castle of comodism. Today is October, January, March, April. I reallly dont regonize whats the day. Maybe because i feel all the same. The same grades, the same answers, the same ways to feel something. To feel something. To learn something. Everyday. Everyday. Everyday i write a book, a ghost story where my anxiety will scare you.

terça-feira, 17 de abril de 2018

Coloração de Advertência

É quando meu gato derruba,
descola da minha parede branca,
todas as minhas frases arque'tipas
de um modelo nefasto das minhas pro'prias
diretrizes

É nessa hora que meu gato,

de cinza cativante,
vira ruído, impalatável.

É nesse momento que, 

apesar de não me dar bem
com a Física,
só consigo pensar
em milhares de frequências
tangenciando sobre todos os vidros
da minha cabeça.

Então tudo desafina.

Com quantos números 
consigo transformar tudo
em gama?









(ondas de maior frequencia)




segunda-feira, 9 de abril de 2018

Corda de circo

Uma linha traçada
Eximiamente 
Sobre o papel
De A até B
Virando cosseno de C
É perfeito o deslocamento
Cálculo simétrico. 

A linha da corda bamba
Vai até o final 
Cada centímetro 
Foi contado a dedo
Cada número. 

A corda não balança
Até que uma tesoura vermelha a corta. 

domingo, 4 de março de 2018

Him

when I was young

and the rhymes clung to his body


now im ruined by pretty words 

and dirty thoughts

quinta-feira, 1 de março de 2018

Rascunho 2

Apresento-lhes
meu poema digital,
marginal, que se
picha na rua da esquina

Vira lambe
na parede
de Brasília

Apresento-lhes
o poeta,
dono da inconvencional
poesia sem rédeas,
informal

Aquele que só é poeta
por ser futuro atual
e sempre conseguir achar
o que vem seguinte
ao ponto final
do assunto poético

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

You can’t catch them

That’s what I say, man
While smoking a cigarette.
I see paper girls
That with no fear in eyes
Runs with the monsters
Under the red blooded sea

I see paper girls
That play with fire
And follow their dreams

I see, man,
They will go further than you