quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Senhorita T.

Inspirada nos contos e outros esboços da poetisa que, infelizmente, reside no lago. 


Encontrei-a no jantar a noite passada. Tem cabelos claros, num tom caramelo, rosto e boca delicados, quase como desenhados à lápis. Ela me lembrou, rapidamente, de uma outra garota, que vi correndo porta à fora de uma loja, numa dessas ruas beges bem lindas de Roma. Essa menina certamente havia roubado algo que parecia uma saboneteira. Só podia ser! Lembrando melhor agora, era, na verdade um kit de duas saboneteiras. Só podia ter sido furto, porque consegui notar um sorriso de canto de boca. Toda ladra costuma reconhecer outra. Senhorita T. possuía as mesmas mãos cetim e o sorriso de lado que essa garota de minha memória. Enquanto ela conversa com as outras pessoas na mesa rústica do jantar, ela finge que não sabe mentir para dar toda a graça. Ela sabe navegar em qualquer assunto, como se fosse timoneira de nascença e sempre tivesse tido como propriedade um veleiro, com seus mastros e velas devidamente calculados para evitar a deriva. Uma curiosidade sobre os veleiros é que, quando bem construidos, conseguem navegar quase contra o vento e não apenas com o vento a favor. Ela, enquanto navega, a fala se delicia em meio ao mar, às gaivotas e às cadeiras de madeira. Quando ela sabe que está certa ou que o assunto encontrou-se em pontos e ilhas que já sabe o mapa de cor, seu corpo demonstra claramente seu espírito apaixonante. Tudo acontece como num rápido içar de velas e seu corpo movimentando-se para frente. Em algum momento, um hiato, e suas costas se encostam no encosto da cadeira, nessa hora pode descansar os olhos nos meus. Quando está em silêncio, pensa - seus olhos se fixam em um ponto. Caso demore muito, os íntimos já estranham e me pergunto se encontrou alguma outra ilha, ou se foi fazer uma breve manutenção das quilhas, cabos e mastros da embarcação… ou quem sabe foi observar o belo mar mediterrâneo que compõe uma das partes de seu mundo mental. Agora, nesse momento, eu acabo de me entregar, porque quando ela para, quando a fala dela diminui o ritmo até o hiato, e enquanto tudo isso acontece com seu olhar fixo em um ponto, os meus olhos seguem todo o caminho maritmo até onde sou permitida. Entrego-me porque sempre quero ir além e tento navegar no que me foi entregue como mapa. Entrego-me porque sei que é quando a ouço que tenho a oportunidade de quase navegar na mesma caravela que ela, confiando nos ventos que ela cria, descobre, vai e volta, e também de poder sentir o cheiro de sal do mar de seu próprio oceano. Entego-me porque imagino um tanto e até certo mistério, que vai além do que ela me fala, claro. Com ela, gosto de me fingir de marinheira - quem sabe um dia posso vir a ser - mas até então não tenho nenhuma habilitação de náutica. Falei de hiatos, mas quando ela sente que pode jogar a âncora, ela fala quase sem parar - mas claramente, nada do que diz é banal. Consegue mudar os assuntos facilmente em estalar de dedos, mas acompanhar outros também que começam em outras pessoas até dar à volta na mesa. Em algum momento, por exemplo, ela muda o rumo da conversa para questões sociais; não se trata de exposição estérill, mas de uma explicação vigorosa e bastante lúcida. Sua vitalidade nos acertos e baques foi o que mais me impressionou. A mão que segura a vela, que segura o mastro, que segura o tabaco até sua boca. Senhorita T. arquitetou um mundo inteirinho em sua mente que tento acompanhar, enquanto ela veleja pelas águas à fora. 

domingo, 17 de setembro de 2023

Que besteira que nada

 Caramba, dessa vez devo ter me perdido de vez mesmo. 

Lendo livro de antropologia aqui em cima, no segundo andar da casa. Morri de nervoso agora pouco e não tive coragem de terminar de fumar o tabaco no banheiro do quarto. Pensando na cara de pau que eu tinha em subir e fumar um maço inteiro de cigarro quando era menor, sem medo algum de ser descoberta. Agora tão longe isso que nem me lembro mais se eu fumava ele inteiro mesmo ou se é conversa fiada e repetida que virou verdade. Bom, devia ser mesmo Marlboro gold ou aquele vermelho, da no mesmo. Claro que naquela época não dava. 

Me perdi pq agora sou medrosa, como pode né isso? Sentada agora ao lado do único gerbil que me sobrou nessa casa, ironicamente o único que não acho que goste de mim. E eu sem vontade de ler outros livros por nervoso de lembrar que crio histórias enquanto leio e isso me demora mais pra ler. Não quero dor de cabeça. Acho também que não quero mesmo é enfrentar o tanto que deixei pra trás que queria ter colocado no papel. Aquela coisa, sabe, eu queria mesmo ou me enfiei num túnel besta, em que as paredes brancas tão é me assustando mas não faço nada pra pintar. Eita metáfora tonta pro óbvio. Tø longe da escrita, é isso mesmo. E pior que isso acabou é virando metalinguagem, né? Não era a intenção, na realidade o que eu fico criando é história, crônica e um mundo particular. 

Achei que ia parar por aqui, mas isso de medrosa me remeteu outras lembranças, como quando minha melhor amiga me levou pra uma aventura de noite e eu quis foi arregar. Quis ir embora, e ela se pôs a rir, que antes eu não faria isso. Realmente. Agora lembrando da minha interlocutora de pesquisa, Helena, me falando da sua vida, quando um dia era punk e tinha 20 anos pela cidade de Brasília cheia de rock. Ela me disse que jurava que não ia morrer nunca. Me lembro quando ela me contou também da - agora falecida - irmã, que quando viva, perto de morrer, gritava na cama que não queria ir embora de jeito nenhum. E foi. Que coisa, escrevo isso tudo mas na realidade o que suspeito é que to medrosa e a morte é a resposta! A culpada! Ê, sai pra lá ein. 

Bom, é isso. Preciso compartilhar pra esse mundo particular existir e continuar existindo por aí fora da minha cachola. Vou ver o que posso fazer. Vamos ver. 

segunda-feira, 24 de julho de 2023

 Tantas coisas

E meu coração querendo sair do meu corpo 

Ninguém me entende senão eu mesma! Olha só.

E você também , Diário, deveria

Mas preciso deixar que você saiba mais de mim

Você, que é vermelho

Porém, perpassando pela ideia de Diário como alguém, daí que você sabe bastante, já que vira outras cores e padrões...

Mas quando em diálogo comigo sozinha, conversamos de verdade e nos entendemos mais que qualquer pessoa que tente ler

Qualquer escritor deve ser assim, né?

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

29/06/2020

 Às vezes gosto de desenhar e escrever quando me sinto desconectada de mim mesma e do que me cerca, quando assim consigo levantar o pulso com grafite na mão. A surpresa de visualizar com outros olhares algo que produzi cativa-me, mesmo que este conteúdo outrora me seja de pouco agrado e angustia-me até as pontas de meus cabelos! Posso eu ter romantizado coisas demais, que assim não deviam, durante esses poucos anos que sinto que o grafite nunca fugiu de mim? Talvez. Mas minha cabeça nunca fugiu da minha escrita. Sei que ao falar de algo traumático uso bem dos eufemismos certos para dizer o que me assusta e te morde por trás dos olhos, então nessa hora, te agrado com minha leitura. Posso eu, aqui e agora, desconectada, talvez saber quem sou? A voz da minha cabeça me incomoda demais por estar tão fina. Não está certo! Tic- tac tic tac! Agora de volta em minhas bagunças mentais, quem perderia tempo de entender minha letra? E eu que já perdi tempo demais em sonhos de escritor e aqui estou como se eu nunca tivesse mudado! Como se essas folhas na parede ainda tivessem um pouco de mim! Então, talvez tenham e minha escrita continua a pecar bastante. Margareth e Jack continuam como um retrato de quem sou e posso ser em minha cabeça? Sinto falta de minhas paredes brancas, fumaça de cigarro no quarto e os sonhos com taças cheias de vinho tinto. As metáforas ainda me constituem e meu sobrenome combina com minhas rimas fajutas! Aqui vou-me embora, nos encontramos em alguma folha pautada que tiver! 

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Para M

 Realmente, faz muito tempo que não escrevo. Vez ou outra algumas notas, ou palavras de amor. Mas existe sim um certo tempo que não abro os documentos para escrever o que tem dentro de mim, muito menos dar uma olhada nas minhas paredes brancas. Mas a verdade é que não sumi, não mesmo. O processo analítico é curioso, não esse que vem de mim por completo, que se pinta de vermelho e obsessivamente anota tudo o que pode no papel - outros momentos nas próprias pernas. Nada disso. Mas sim o processo de falar pra outrem que pouco sei sobre, mas que escuta, dá risada, franze os olhos para enxergar melhor.

Eu achei que tivesse me perdido, mas acho que só esqueci um pouco de certas coisas. Mas elas retornam, não é mesmo. Ouço isso direto. Mas outras situações parece que não voltam mesmo, mas nem quero entrar em buracos de coelho agora, não mesmo! Me encontro realmente sentada na sala, mas antes eu estava a dirigir meu carro, freando onde não gostaria e acelerando com o bater da música. Tentei começar esse texto de diversas formas possíveis! Mas sempre alguém me interrompe. Não quero falar de um lugar mórbido,  que inclusive consigo muito bem, se eu fechar os olhos - quarto, tapete, cigarro, caderno bege. Acredito que este lugar me levaria a solos, romantizações estranhas, um senso de superioridade ainda não superado e sabe-se lá o que mais. Escrevendo, agora, vou lembrando de mim mesma. Vou notando que realmente há em mim alguém que só vive no passado - mas não digo de forma vil. Também tenho os lugares em que me encontro, e que sei que outrora podem encher a boca para falar dele, mas de contrário, não julgo! Afinal, qual a graça de só pensar e não compartilhar nada em um simples texto!

Minha intenção não é cruel, é voltar a lembrar de mim. Não sobre corridas desesperadas, cigarros mentolados, um ponto claro no céu, madrugadas e tudo mais que vem do noturno. Mas o meu muro de arrimo, construído por mim mesma, que senta e tem a visão - quase completa - do que me rodeia. A presença de um rosto no escuro, que um tempo atrás esteve perto do meu olho direito, ou seja, eu o enxergava com mais nitidez. Mesmo que eu não enxergasse em certo tempo, um rosto também pode ter tal forma que ecoa nos ouvidos. Mas a realidade é que meu muro, que eu considero bem feito (já outras pessoas imagino que não), continua presente. Estrutura que, na minha cabeça, parece mais de pedra do que de concreto, algo meio como as pedras de pirenópolis, sabe? Sei nem se isso é possível, mas funciona! Eu garanto. O desnível se encontra, parado entre mim, mas não no centro, tenho muito caminho para andar antes que eu tropece em alguma lasca solta na grama. Hoje você me fez lembrar de ti, de alguma forma, sentada aí, lateralmente a minha construção, bem retida em diferentes níveis do meu solo. Dessa vez, sem muita vontade de me deixar falar. Mas aqui escrevo, e espero não termos mais encontros com dor. 


Lua


domingo, 7 de fevereiro de 2021

 


Observando os canarinhos que sempre voltam pra essa casa, todas as tardes e manhãs, para se banquetearem nos comedouros repletos de semente. De grão em grão do alpiste, acabam derrubando mais da metade no chão marrom azulejado. Assim como os pássaros, sempre estou de volta aqui, mas sempre de uma forma diferente da que saí de casa.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

 há realmente uma hora em que seus dedos urgem para teclar nas teclas e te escrever algo que precisa ser eternizado em palavras?

nesse momento provavelmente você não corre e sim, se desdobraba ao máximo no que quer passar ao papel. note que eu digo algo sobre papel e teclas, já que no fim, não importa se o que você tem ao seu alcance seja um telefone ou um papel e uma caneta. o que importa é deixar sua marca, mostrar que esteve aqui. de qualquer forma, estive mais lá, em um jardim onde as flores e outras plantas, eram regadas automaticamente por um tipo de tecnologia que envolve garrafas pet reutilizadas. pegue a garrafa usada, encha de água e enfie na terra. sua planta terá sempre como beber água, desde que você continue enchendo o refil. nessa casa em que estou, não aqui, o terreno é ótimo de se desbravar quando os adultos bebem pinga no almoço, e você, como poucos anos tem, inventa histórias no quintal com os pássaros pretos que comem ovos enquanto piam. a terra é molhada, já que quem cuida do terreno reside em alguma cidade satélite que não seja aqui. logo, quando me perguntam onde estou, é muito fácil que eu feche os olhos e me perca onde eu realmente estou ou já estive. aqui o lago pode é sul, mas bem quando eu quero terminar o texto, mesmo preferindo estar ao lado norte, nos braços do meu grande amor, me perco nas risadas dos velhos que estão na mesa, bem perto da piscina. em algumas piscadas, já não há cachorros de corrida magrelos, apenas uma casa de madeira, e o que tento esquecer. tudo me trás direto ao que sempre não posso correr.