sábado, 3 de maio de 2025

7/7/18

Texto que achei no meu caderno de gatinhos do pintor Carlos Páez Vilaró, comprado no Uruguai. Textinho escrito em 2018.


Estava em casa, não aguentei. Precisava sair daquele lugar. Já estava quase pra vomitar de agonia. Subi na bicicleta e cheguei aqui. Engraçado, durante o trajeto todo, só pensei na cena de estar aqui, sentada - exatamente aqui. Preparei o roteiro inteiro enquanto pedalava e o vento batia em meu rosto. Onde moro é seguro e existem vários caminhos e becos para se enfiar. É divertido. 

A verdade é que sempre quis sentar aqui e escrever algo, qualquer coisa que fosse. De certa forma, estou feliz por essa conquista! Durante o percurso inteiro, pensei no agora, estar sentada segurando exatemente esse lápis e esse específico caderno. Porém, não consegui pensar em nenhuma linha escrita. Bom, o que é escrito agora então é fresco. Melhor que um diário! Concorda?

Precido dizer para você algumas coisas: o último filme que assisti foi ótimo, mas fez com que eu me sentisse sozinha. Durante a pedalada até esse banco que sento agora, relembrei o medo que tenho de homens desconhecidos. Também pude me divertir com o som que as folhas fizeram quando estava chegando perto de onde me encontro agora. Breve trajeto, divertido. Outra coisa, mas essa vai mais longe no que estava pensando: é que tento ao máximo não repetir palavras ou frases de poemas que escrevi em outros textos. Sim, estou tentando ao máximo não repetir e escrever "fluxo de consciência". Bom... agora, foi-se! A penúltima coisa que vos digo é que senti uma mão nas minhas costas, agorinhas, mesmo estando sozinha. Isso foi agora a pouco! Nesse banco embaixo de um caramanchão feito pela administração do Lago Norte. A última é que estou indo me levantar, rumo minha casa e usar, pela primeira vez, as luzinhas traseiras da minha bicicleta.  

Ah! Antes que me esqueça, já que você chegou até aqui, seja quem for, contei-te uma mentira nesse texto. Ache. Ache-me.


Raíssa?

sexta-feira, 21 de março de 2025

21 de março de 2025, 3h26 da madrugada (tirado das notas)

Enquanto antropóloga, sei: isso não é uma etnografia! Mas sinto a urgência de anotar, escrever, desembaraçar as mãos — ter um pouco do vivido e compartilhado em pauta, mesmo que seja análise ou conversa de saída na rua; conversa com alguém que está esperando, com você, o sinal ficar vermelho para atravessar a rua.


Dou uma pausa e escovo os dentes. Quem sou eu? Lua. Digo em alto tom, dentro da minha cabeça, tentando cortar os diálogos de Camila — ela, que não consegue ouvir ou ver um fato sem querer logo transformar em ideia para um novo conto. Como posso te explicar isso?

É como se eu estivesse tranquila, lavando as mãos na pia do banheiro, e, de repente, surgisse esse diálogo, puxando com força, querendo arrebentar a porta. Uma urgência desesperada de transformar e criar um pensamento, que vai acabar virando um grande texto. Um texto onde Mário e Margarete — meus personagens dos meus contos de sempre — estarão no fronte.

É tipo quando leio uma história de um livro e devaneio; começo a criar outra história dentro do livro.

Sinto que Camila tem essa urgência de querer escrever o tempo inteiro. Ou melhor, de tentar transformar TUDO o que pode em um conto com personagens, transformando fatos diversos em diálogos e especificidades de cenários para contos.

Eu me seguro! Para quem me escuta, pode ser algo como: “eu tento me conter para que esses pensamentos não me tomem por inteira e eu passe a começar a rascunhar um texto legalzinho, um conto”.

Eu entendo isso. Mas eu, que estou aqui, QUERO ESTAR AQUI, PRESENTE. Não quero outra na minha cabeça agora. Quero ter controle dos meus pensamentos.

Que venha, então, Camila em outra hora e faça isso — mas não quando eu estou aqui e me sinto aqui. Eu, hein.

Se compartilho minha cabeça com outras, que essas esperem até eu estar saciada da minha própria realidade. Depois que eu já não estiver aqui, que tomem minhas rédeas — ou melhor, as próprias; seja de quem virá, de quem terá sua vez.

Um corpo é apenas um para tantas lógicas, nomes e cores, infelizmente. Mas é assim que há de ser.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

14 de janeiro de 2025 02h02 da madrugada

sem pontuação

eu sento ao lado da roda do meu carro na garagem ouço as gotas escorrendo pelas folhas das plantas do meu jardim frontal meu cachorro fica ao meu lado olhando a rua e ouvindo os cachorros que as vezes latem para algum som maior escrever sem por pontuação é interessante sabemos que é necessário mas não coloco agora tudo tem que ser dito sem pausa apesar de que na minha cabeça as faço ponderamente enquanto algum vizinho tosse e alguém ri e conversa bem à distância vamos seguindo em diálogo sentada em cima das pedras de Pirenópolis que constituem ø meu chão uma virada várias viradas cheiro do meu cachorro que agora está deitado em minha frente mas de cabeça em pé nunca saberemos ø que eles escutam que nós não escutamos então precisamos aceitar essa realidade para seguirmos né certo? primeira pausa aqui feita a contra gosto meu isqueiro acabou  mas por acaso pensei nisso antes e deixei um escondido numa bolsa no porta malas porém agora devo dormir podia ter sido um final diferente agora escuto uma coruja gritar penso que devo dormir não sei quem sou mas quem você é agora meu cachorro achou algo para morder e cada mordida preenche a noite

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Brasília, 8 de dezembro de 2024 (modificado e retirado de um diário)

Ia dormir, mas fui responder algumas mensagens no celular e acabei retornando para a escrita. Preciso voltar a ser calma. Preciso não estar contaminada.

Vi que escrevi, em outro momento, sobre um poço de fazenda. Lembro-me de mim, criança, correndo sozinha na estrada de terra da fazenda, com minhas botas bem gastas pelas aulas de montaria. Achei um poço no meio do milharal. Achei que tivesse descoberto um mundo de segredos. A água estava gelada. Bichinhos em cima da água se moviam, feito aranhas-d’água — parece que se chamam aquarius esses insetos de pernas finas.

Lembro que bebi; enfiei meu rosto na água gelada, espantando os insetinhos. Não dava para ver o fundo. Tudo era um tom de azul-marinho. Sempre tive medo de abrir os olhos debaixo d’água.

Sei que eu me aventurava sozinha por todo canto da fazenda do meu pai — algumas vezes sozinha, outras vezes com as crianças do caseiro. Brincávamos de dar comida para os porcos, chupar cana, andar a cavalo e perseguir os girinos da nascente do Rio Verde. Em outros momentos, minha brincadeira era com meus amigos imaginários. Seus nomes, guardados no fundo da minha cabeça — eles possuem corpo, voz, sentimentos e partes de mim.

Lembro-me bem deles, em memórias meio opacas, em brincadeiras que aconteciam no meu quintal de casa e também na porta de vidro da sala. Saudades. Vivo no passado, pois moro numa casa de infância ainda. Ou, talvez, procuro ao máximo viver numa casa de infância para fingir que há como segurar o tempo nas mãos.

E o pior: ainda não sou uma pessoa velha.

Casa repleta de coisas; bagunça do que já fui e sou; paredes que me viram crescer. Escrevo aqui, agora, mas sinto que minhas memórias antigas — se posso dizer — são todas tão classificáveis. Parece que posso contá-las. Consigo classificar coisas novas? Posso ver mais do que vivi? Esquecer e relembrar. Nem todo livro me dará respostas.

Gostaria de procurar mais nas florestas do Norte, ao lado de lobos.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Senhorita T.

Inspirada nos contos e outros esboços da poetisa que, infelizmente, reside no lago. 


Encontrei-a no jantar a noite passada. Tem cabelos claros, num tom caramelo, rosto e boca delicados, quase como desenhados à lápis. Ela me lembrou, rapidamente, de uma outra garota, que vi correndo porta à fora de uma loja, numa dessas ruas beges bem lindas de Roma. Essa menina certamente havia roubado algo que parecia uma saboneteira. Só podia ser! Lembrando melhor agora, era, na verdade um kit de duas saboneteiras. Só podia ter sido furto, porque consegui notar um sorriso de canto de boca. Toda ladra costuma reconhecer outra. Senhorita T. possuía as mesmas mãos cetim e o sorriso de lado que essa garota de minha memória. Enquanto ela conversa com as outras pessoas na mesa rústica do jantar, ela finge que não sabe mentir para dar toda a graça. Ela sabe navegar em qualquer assunto, como se fosse timoneira de nascença e sempre tivesse tido como propriedade um veleiro, com seus mastros e velas devidamente calculados para evitar a deriva. Uma curiosidade sobre os veleiros é que, quando bem construidos, conseguem navegar quase contra o vento e não apenas com o vento a favor. Ela, enquanto navega, a fala se delicia em meio ao mar, às gaivotas e às cadeiras de madeira. Quando ela sabe que está certa ou que o assunto encontrou-se em pontos e ilhas que já sabe o mapa de cor, seu corpo demonstra claramente seu espírito apaixonante. Tudo acontece como num rápido içar de velas e seu corpo movimentando-se para frente. Em algum momento, um hiato, e suas costas se encostam no encosto da cadeira, nessa hora pode descansar os olhos nos meus. Quando está em silêncio, pensa - seus olhos se fixam em um ponto. Caso demore muito, os íntimos já estranham e me pergunto se encontrou alguma outra ilha, ou se foi fazer uma breve manutenção das quilhas, cabos e mastros da embarcação… ou quem sabe foi observar o belo mar mediterrâneo que compõe uma das partes de seu mundo mental. Agora, nesse momento, eu acabo de me entregar, porque quando ela para, quando a fala dela diminui o ritmo até o hiato, e enquanto tudo isso acontece com seu olhar fixo em um ponto, os meus olhos seguem todo o caminho maritmo até onde sou permitida. Entrego-me porque sempre quero ir além e tento navegar no que me foi entregue como mapa. Entrego-me porque sei que é quando a ouço que tenho a oportunidade de quase navegar na mesma caravela que ela, confiando nos ventos que ela cria, descobre, vai e volta, e também de poder sentir o cheiro de sal do mar de seu próprio oceano. Entego-me porque imagino um tanto e até certo mistério, que vai além do que ela me fala, claro. Com ela, gosto de me fingir de marinheira - quem sabe um dia posso vir a ser - mas até então não tenho nenhuma habilitação de náutica. Falei de hiatos, mas quando ela sente que pode jogar a âncora, ela fala quase sem parar - mas claramente, nada do que diz é banal. Consegue mudar os assuntos facilmente em estalar de dedos, mas acompanhar outros também que começam em outras pessoas até dar à volta na mesa. Em algum momento, por exemplo, ela muda o rumo da conversa para questões sociais; não se trata de exposição estérill, mas de uma explicação vigorosa e bastante lúcida. Sua vitalidade nos acertos e baques foi o que mais me impressionou. A mão que segura a vela, que segura o mastro, que segura o tabaco até sua boca. Senhorita T. arquitetou um mundo inteirinho em sua mente que tento acompanhar, enquanto ela veleja pelas águas à fora. 

domingo, 17 de setembro de 2023

Que besteira que nada

Caramba, dessa vez devo ter me perdido de vez mesmo.

Lendo livro de antropologia aqui em cima, no segundo andar da casa. Morri de nervoso agora pouco e não tive coragem de terminar de fumar o tabaco no banheiro do quarto de visitas. Pensando na cara de pau que eu tinha em subir e fumar um maço inteiro de cigarro quando era menor, sem medo algum de ser descoberta. Agora, tão longe isso, que nem me lembro mais se eu fumava ele inteiro mesmo ou se é conversa fiada e repetida que virou verdade. Bom, devia ser mesmo Marlboro gold ou aquele vermelho, dá no mesmo. Claro que naquela época não dava.

Me perdi porque agora sou medrosa. Como pode, né? Sentada agora ao lado do único gerbil que me sobrou nessa casa, ironicamente o único que não acho que goste de mim. E eu sem vontade de ler outros livros, por nervoso de lembrar que crio histórias enquanto leio, e isso me demora mais para ler. Não quero dor de cabeça. Acho também que não quero mesmo é enfrentar o tanto que deixei para trás, que queria ter colocado no papel. Aquela coisa, sabe, eu queria mesmo ou me enfiei num túnel besta, em que as paredes brancas tão é me assustando, mas não faço nada para pintar. Eita metáfora tonta pro óbvio. Tô longe da escrita, é isso mesmo. E, pior que isso, acabou virando metalinguagem, né? Não era a intenção. Na realidade, o que eu fico criando é história, crônica e um mundo particular.

Achei que ia parar por aqui, mas isso de medrosa me remeteu a outras lembranças, como quando minha melhor amiga me levou para uma aventura de noite e eu quis foi arregar. Quis ir embora, e ela se pôs a rir, dizendo que antes eu não faria isso. Realmente. Agora, lembrando da minha interlocutora de pesquisa, Helena, me falando da sua vida, quando um dia era punk e tinha 20 anos pela cidade de Brasília cheia de rock. Ela me disse que jurava que não ia morrer nunca. Me lembro quando ela me contou também da — agora falecida — irmã, que, quando viva, perto de morrer, gritava na cama que não queria ir embora de jeito nenhum. E foi. Que coisa, escrevo isso tudo, mas na realidade, o que suspeito é que tô medrosa e a morte é a resposta! A culpada! Ê, sai pra lá, hein.

Bom, é isso. Preciso compartilhar para esse mundo particular existir e continuar existindo por aí, fora da minha cachola. Vou ver o que posso fazer. Vamos ver.

segunda-feira, 24 de julho de 2023

Tantas coisas.

E meu coração querendo sair do meu corpo.

Ninguém me entende como eu mesma!
(dou uma risadinha sem graça) Olha só.

Você também deveria me entender, Diário.

Mas, para isso, preciso deixar você saber mais sobre mim. 

Você, que é vermelho —

os outros, de tantas cores e padrões, já sabem bastante.

Se personifico você, daí tenho a chance de me reapresentar.

Assim, quando somos só eu e você,

é aí que a gente se entende de verdade.
Mais do que qualquer pessoa que tente me ler.

Acho que todo escritor é um pouco assim, né?